A Cultura do Cancelamento na Infância

A cultura do cancelamento existe quando uma pessoa faz alguma coisa na internet e é julgada como errada. A partir daí, milhares de internautas se unem contra essa pessoa, o que pode evoluir para atitudes criminosas como comentários ofensivos, racistas e até ameaças de morte. O cancelamento na infância pode desencadear depressão e problemas de comunicação e autoestima. Os pais devem dialogar com as crianças sobre o tema e mostrar acolhimento sobre seus sentimentos – sejam elas as crianças canceladas ou as que cancelam outras.

A cultura do cancelamento na infância

A internet trouxe muitas facilidades para o nosso dia a dia. Mas em contrapartida, também ajudou a despertar comportamentos no mínimo questionáveis-como é o caso da tal “cultura do cancelamento”.  No mundo dos adultos isso pode até ser administrado, mas essa realidade já atinge faixas etárias bem menores.

Você pode estar se questionando: será que crianças cancelam crianças? Se sim, como orientar seus filhos diante dessa possibilidade? Responderemos essas e outras perguntas nesse conteúdo sobre a cultura do cancelamento.

Embora esse tema seja muito explorado quando falamos em grandes artistas ou participantes de realities shows de grande repercussão, não podemos ignorar os perigos dessa cultura no ambiente escolar ou em qualquer outro, onde as crianças se relacionam de alguma maneira.

Continue a leitura para entender mais sobre os impactos e qual postura adotar.

O que é a cultura do cancelamento?

A cultura do cancelamento é uma espécie de linchamento virtual que se assemelha em muito com o bullying, mas pode ser ainda mais devastador.

O cancelamento acontece quando uma pessoa faz uma coisa considerada “errada” pelas demais, mesmo que na realidade não seja.  Assim, outras pessoas a condenam de forma pública, estimulando que outros internautas façam o mesmo.

Às vezes, a verdade é distorcida, como forma de estimular os ataques, não havendo consideração ou respeito pelo ponto de vista da vítima. Dessa forma inicia-se uma onda de ataques que muitas vezes extrapola qualquer limite  minimamente ético e moral, chegando a se transformar até em ameaçadas de morte.

Segundo o psiquiatra Galiano Brazuna, esse comportamento é defendido por algumas pessoas como uma forma de repreensão, capaz de fazer com que o posicionamento de pessoas famosas seja mais ponderado na internet.

Porém, ele alerta que pode ser bastante tóxico e que em crianças, cuja educação está em desenvolvimento, pode se tornar extremamente nocivo, já que a cultura do cancelamento naturaliza e torna comum a violência verbal e a perseguição.

Pais devem ter cuidado ao introduzir o tema

A grande questão com relação à cultura do cancelamento na educação das crianças é que muitas vezes ela é inserida pelos próprios pais, de forma bem pouco informativa e sem os alertas importantes que devem ser feitos sobre o tema.

Por exemplo, se um pai ou uma mãe comenta sobre “cancelar alguém” e seu filho passa a entender que isso é um comportamento normal, as chances dessa mesma criança reproduzir o comportamento na escola com um colega, passam a existir em grande potencial.

A psicóloga Samara Miranda destaca outro ponto importante. Segundo ela, a criança passa a ter consciência integral de sua individualidade, ou seja, que ela e a mãe são duas criaturas distintas, entre 3 e 5 anos de idade.

Nesse processo é importantíssimo que os pequenos tenham boas relações com os pais para que desenvolvam autoconfiança e amor-próprio nesse estágio. O ponto é, as crianças devem encontrar no amor e relacionamento com os pais o que precisam, e assim não buscarem isso em fontes externas.

Isso porque, na falta de uma relação saudável com os pais, as crianças podem desenvolver baixa autoestima e assim buscar por referências fora de casa para sentirem-se supridas, especialmente a partir dos 7 anos.

É justamente aqui que muitas delas buscam referências na internet e acabam se deparando com a cultura do cancelamento, seja participando dos linchamentos ou se tornando elas mesmas vítimas dos ataques.

Os pais e responsáveis devem estar atentos para qualquer mudança de comportamento – por menor que seja – e manter sempre um canal de comunicação saudável e acessível para que a criança sinta segurança para se achegar. Além disso, monitorar o que a criança acessa e como age na internet é parte fundamental dos cuidados básicos.

Quais são os perigos da cultura do cancelamento?

A cultura do cancelamento pode causar um grande impacto psicológico na vida da criança. Afinal, esse comportamento torna comum a violência virtual, o que pode desencadear traumas e problemas de relacionamento.

Para o psicólogo Thiago Barbosa, o problema vem acompanhado de uma carência de empatia. Antes mesmo de ter a chance de se justificar ou se retratar, o cancelado é submetido a um julgamento cruel, onde parece ter sido sentenciado para toda sua vida. Outros riscos são:

  • Desenvolvimento de ansiedade e depressão;
  • Dificuldade em expressar as próprias opiniões;
  • Problemas sérios de comunicação em público e fora dele;
  • Problemas de sociabilidade;
  • Tendência futura a adesão de comportamentos extremistas;
  • Comportamentos impulsivos e compulsivos.

Na vida de crianças e adolescentes esses danos podem ser impactantes e prejudicar todo o desenvolvimento, bem como uma vida adulta que carrega temas mal resolvidos em suas relações para o resto da vida.

Cancelamento x bullying

Embora os conceitos se confundam às vezes, a cultura do cancelamento e o bullying são duas coisas distintas. É importante compreender isso para conseguir lidar corretamente com cada um.

A cultura do cancelamento surge inicialmente como forma de repreender determinado comportamento exclusivamente no ambiente virtual. Ao tomar uma grande proporção, o cancelamento pode estimular um caráter criminoso, quando surgem as ameaças e comentários preconceituosos ao extremo.

O bullying contra crianças, por sua vez, acontece especialmente no ambiente escolar, presencialmente. A prática tem como finalidade inferiorizar e humilhar o outro – o que pode desencadear uma série de problemas psicológicos e traumas.

Nesse caso, os ataques surgem para destacar uma característica física, social, psicológica ou comportamental. O bullying pode envolver, além das humilhações e agressões verbais, ataques físicos. Alguns dos efeitos do bullying são:

  • Baixa autoestima;
  • Depressão;
  • Medo;
  • Ansiedade;
  • Insônia;
  • Dificuldade de socialização;
  • Suicídio.

Ambos os casos são muito sérios e precisam ser tratados de forma cautelosa. Pais, professores e responsáveis devem estar preparados para lidar com a situação e orientar crianças de forma correta. Sempre que necessário, recorrendo ao apoio profissional de um psicoterapeuta.

Dicas para orientar a criança sobre a cultura do cancelamento

A cultura do cancelamento está aí e precisa ser debatida e combatida. Um dos grandes erros da sociedade é tentar ignorar isso ou naturalizar o comportamento, fazendo com que pareça inofensivo.

Pais e professores precisam falar sobre isso abertamente, com orientações precisas.

É importante conversar antes que as crianças se tornem canceladores/ cancelados. Afinal, da mesma forma que há o papel do agredido, há o posto do agressor que será ocupado por crianças que também precisam ser orientadas.

Crianças bem orientadas se tornam adultos mais saudáveis e conscientes de suas responsabilidades. Além disso, quando encontram em seus lares o direcionamento correto, tendem a levar por toda a sua vida o que aprenderam, se tornando pessoas empáticas e socialmente saudáveis.

Converse sempre:

É fundamental que os filhos se sintam à vontade para conversar com os pais. Isso pode facilitar muito para que a criança busque ajuda quando necessário. Isso inclui tirar dúvidas sem se sentirem julgadas, afinal estão em fase de aprendizado.

Sendo assim, tente compreender a dor e demonstrar um perfil acolhedor, mas sem abrir mão do papel orientador que os pais devem assumir. Se perceber que seu filho tem agido como um agente cancelador, explique com amor as consequências e o motivo pelo qual essa postura deve ser evitada.

Valide as emoções, mas repreenda as ações:

Se você desconfiar que o seu filho está cancelando outra criança é hora de abrir uma conversa franca sobre isso. Tente entender o motivo, quais as frustrações que o levaram a isso, no entanto, falem sem ressalvas sobre os danos que a ação pode causar. Tente colocar seu filho na posição da vítima.

Validar essa sensação de frustração não significa concordar com ela. É hora de propor encontrar junto com a criança oura solução para essa situação que não seja a cultura do cancelamento.

Seja um orientador:

Os pais são os principais exemplos dos filhos. Nesse aspecto é fundamental orientar ao invés de julgar os comportamentos. Além disso, os pais não devem aderir à cultura do cancelamento se pretendem refrear isso nos filhos.

Conversar é sempre o melhor caminho. Procure dialogar com a criança, entender o seu ponto de vista e explicar que existem outras ações, além do cancelamento, que podem ajudar a conter o problema.

Meu filho foi cancelado. E agora?

Para os pais pode ser muito triste descobrir que o seu filho está sendo vítima da crueldade do mundo virtual.  Ao ter ciência de que a criança está passando por um cancelamento, os pais devem se mostrar mais presentes do que nunca, inclusive mantendo contato com os responsáveis de quem lidera a ação de cancelamento. A ideia não é brigar e sim, como pais, auxiliarem seus filhos quanto ao comportamento.

  • Afaste a criança dos ataques: afastar a criança dos ataques pode ser um passo importante. É interessante, nesse momento, propor uma reflexão segura, longe do julgamento sem filtro de outras pessoas.
  • Abra espaço para conversa: escute a criança. Procure entender o que desencadeou a situação e como ela se sente com relação a isso;
  • Busque orientação profissional se necessário: se considerar que o cancelamento está abalando muito a criança, busque ajuda de psicólogos e terapeutas especializados que possam orientar.

A cultura do cancelamento surgiu no universo adulto, mas se expandiu para as crianças. – Infelizmente.  Elas também estão sujeitas a passar por isso e a forma mais responsável de tratar o tema é usando o diálogo como forma de proteção. Converse.

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